"Na neve mais pura escrevo as saudades do meu mar, tenho saudades da areia, branca de neve ao luar". Camané

quinta-feira, 26 de março de 2015

Forte?

Isto de parecer forte dá trabalho. Quase que temos de ser fortes para parecermos fortes. Para rir quando apetece chorar. Para dizer aos pais "por cá tudo bem, está frio, mas tenho trabalho!", quando na realidade apetece chorar copiosamente num ombro qualquer. É que há dias em que gostava de poder não ser forte. Dias em que, num piscar de olhos, abdicaria desta minha independência em prol de um abraço forte e das palavras "tudo vai ficar bem". 


segunda-feira, 9 de março de 2015

O Homem do Audi Preto

Todas as manhãs ele estaciona o Audi preto em frente ao meu escritório. Depois, calmamente, vai até à bagageira e retira a cadeira de rodas. Contornando o carro, chega à porta do passageiro e abre-a, alcançando com firmeza e ternura um senhor dos seus noventa e picos. Não há pressa. A velocidade do processo é ditada pela fraqueza muscular do senhor. Com muito cuidado, sempre com muito cuidado, ele ampara e guia o senhor até ao assento. Será o seu avô, deduzo, têm semelhanças. Dirigem-se para o café e tomam o pequeno-almoço. Todos os dias. Chova ou faça sol. Penso muitas vezes no homem do Audi preto e em como uns vivem tão conscientes da importância das coisas e outros tão distanciados. 


segunda-feira, 2 de março de 2015

Havemos de ir aos santos

Na BBC 1, um programa explica à nação a proveniência do pinhão. Isso mesmo. Reviro os olhos e sorrio. Sou de imediato transportada à pátria mas, estranhamente, não ao meu Algarve. A ti, aí em Lisboa. Metade de mim, minha âncora e, muitas vezes, meu todo. Havemos de ir aos Santos. Em breve. Faremos acontecer. Vamos rir desbragadamente, vamos olhar-nos cumplicemente. Vamos entrar na Sé e vou recordar-te da vez que me disseste que não pagavas para rezar. Vamos parar junto à estátua do Santo António, que eu tenho um pontapé para lhe dar e não saio de Portugal sem ajustar estas contas. Depois regresso, ao país que me adoptou, que não sabe de onde provêm os pinhões mas que me dá o sustento. Ah... já sinto o cheiro a manjerico...


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Vida saudável

Leio o teu email com atenção e sei, no momento em que termino de o ler, que resposta te vou dar. Apago-o para evitar tentações. Minutos depois, enquanto cozinho o salmão e sonho com a pasta que o poderia facilmente substituir, penso no quão mais saudável é a minha vida sem ambos. Sem ti e sem a pasta. Saudável é comer salmão com feijão verde e brócolos. Saudável é não te ter. 



domingo, 15 de fevereiro de 2015

Hoje está bom

Saio de casa para uma caminhada, não chove e o Iphone diz que estão 7 graus. Estou perante as condições ideais. Inicio a caminhada com a minha playlist das melhores rock ballads EVER, é preciso que se note. Constato desde logo, ao cruzar-me com homens e mulheres Michelin, que tenho o termostato avariado. Prossigo, de casaco escancarado, grata pela suave brisa vinda do mar que vejo no horizonte. A verdade é que não sinto frio. Será que a menopausa chegou, precoce, com os 40? Adiante. É o Mar da Irlanda. Dá bom peixe e marisco mas também o vento mais forte e mais frio que o meu corpo alguma vez teve de tolerar. Mas hoje está bom e é isso que importa. E o Michael Bolton grita o Steel Bars nos meus tímpanos. Hoje está bom. 


sábado, 14 de fevereiro de 2015

Naturalmente

Faço o caminho do trabalho até ao carro em pleno estado de autocomiseração. É bonito o trajecto, em vez de prédios sou flanqueada por townhouses centenárias, fielmente restauradas. Desde as cinco da tarde que é noite cerrada e as luzes acesas permitem-me vislumbrar fragmentos de outras rotinas. Fascinam-me. Distraem-me. Estou triste e não contrario o estado. Deixo que a tristeza me percorra, de dentro para fora, até que se canse de mim e saia, tão naturalmente quanto entrou. 


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Calor no frio

Enquanto a alma suspira por Portugal, o corpo, à traição, aclimatiza-se. Oito graus de máxima e dás por ti a comentar o quão amenas estão já as temperaturas. "Já se sente o aproximar da Primavera", dizes. Os colegas franzem a testa como que a dizer "está doida.". Se calhar estou doida.